Sábado, 31 de Dezembro de 2011

Ataque a Santa Cruz de Macocola?

 

A CART 2731 foi destacada de Ambriz para a zona de Santa Cruz com o objectivo de dar protecção a uma companhia de Engenharia, que tinha a seu cargo a construção de uma picada (estrada em terra batida) entre Santa Cruz e a picada que ligava Quimbele a Quicua.

 

Na picada que estava a ser construída existia uma ponte, sobre o rio Cugo, entre Santa Cruz e a Fazenda Lopes, cerca de um quilómetro da vila, que tinha uma importância vital para a nossa Companhia e para a Companhia de Engenharia. Era a única via de acesso ao nosso acampamento, na Aldeia Capitão, e à frente de trabalhos da construção da picada.

 

Para evitar que a ponte fosse destruída e que ficássemos isolados no meio da mata era mantida protecção permanente naquele local. Para essa missão eram destacadas uma ou duas secções de um grupo de combate (um grupo de combate ou pelotão era constituído por quatro secções), conforme a disponibilidade de efectivos da CART 2731, que ali permaneciam, instalados em tendas de campanha, à espera que as horas passassem.

 

A única distracção que tínhamos era o rio, que servia para nos refrescarmos e para pequenas brincadeiras, documentadas na imagem. Era a este rio que os habitantes de Santa Cruz iam abastecer-se de água, quando a vila esteve cercada pelos terroristas, entre 15 de Março e o início do mês de Julho de 1961, a que se refere Reis Ventura, no capítulo Santa Cruz de Macocola, do seu livro Sangue no Capim, escrito em forma de conto narrativo.

 

 

Dormíamos em tendas de campanha, em cima de colchões de ar que durante o dia serviam para dar uns passeios no rio, única forma de ocupar o tempo. E assim se iam passando os dias, monotonamente, até sermos substituídos.

 

Estávamos em Outubro de 1971, já não posso precisar o dia. Eram cerca de 11 horas da noite. Ouviu-se um tiro na direcção de Santa Cruz. Passados mais alguns momentos começa um tiroteio infernal, com granadas de morteiro à mistura, que caíam muito próximo do nosso acampamento. Éramos pouco mais de meia dúzia de jovens militares, junto à ponte, em plena mata africana, isolados de tudo e de todos, sem sabermos o que se estava a passar. Uma coisa tínhamos a certeza, o ataque não se destinava a nós, devia ser um ataque a Santa Cruz.

 

Ainda houve quem perdesse momentaneamente a calma, mas a serenidade voltou rapidamente. E em caso de ataque o que poderiam fazer meia dúzia de homens armados de G3 e um morteiro 60, sem puderem contar com o apoio imediato de mais ninguém (a CART 2731, única que nos poderia dar alguma ajuda, estava instalada a quase 20 quilómetros daquele local)? Assim, decidimos abandonar as nossas tendas e emboscar-nos na margem do rio, a cerca de 50 metros e aguardar a evolução dos acontecimentos.

 

Passaram-se cerca de 30 minutos, 30 longos minutos, e o tiroteio terminou. Mantivemo-nos durante cerca de mais duas horas naquela posição, regressando depois às nossas tendas. O resto da noite foi passado em sobressalto, com vigilância redobrada, mas mais nada aconteceu.

 

No dia seguinte tentámos obter algumas informações sobre o ataque. Foi-nos dito que um sentinela avistou um guerrilheiro inimigo junto à pista de aviação, na orla da mata, disparou um tiro de aviso e, a partir de aí, gerou-se a confusão. Até o Comandante de uma Companhia de maçaricos (militares acabados de chegar da Metrópole), que tinha chegado recentemente a Santa Cruz, mandou instalar uma metrelhadora em frente do seu Posto de Comando, abrindo fogo indicriminadamente em todas as direcções.

 

Valeu na altura um furriel “velhinho” (já com quase ano e meio de comissão) da CART 2731, que se encontrava casualmente em Santa Cruz, que conseguiu acalmar os ânimos e pôr fim ao tiroteio. Muitas das viaturas que estavam estacionadas no parque ficaram com os pneus e a chaparia furados pelos disparos da nossa tropa e o único sinal de ataque foi o guerrilheiro que o sentinela diz ter avistado junto à pista de aviação, a mais de duzentos metros de distância, às 11 horas da noite.

 

É muito pouco provável que um sentinela tivesse conseguido identificar um guerrilheiro na orla da mata, a mais de duzentos metros de distância, às 11 horas da noite, com uma iluminação muito deficiente.

 

Ainda hoje tenho muitas dúvidas que aquilo tenha sido um ataque. Mas que apanhámos um grande susto e corremos alguns riscos provocados pelo fogo da nossa tropa, principalmente pelas granadas de morteiro que caíam muito perto do nosso acampamento, isso é um facto.

publicado por Franquelino Santos às 12:13
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