Na Quissama era proibido caçar e havia uma equipa de fiscais que percorria diariamente aquele parque para detectar e punir eventuais caçadores furtivos. Apesar disso, de vez em quando, davamos uma voltinha à noite, nada de tiros para não denunciar a nossa localização, até porque bastava pouco mais de meia hora para uma gazela ou duas virem chocar contra o nosso jipe, nem que para isso fosse necessário sair da picada e entrar com a viatura pelo capim adentro.
É obvio que a culpa era sempre do bicho que se colocava à frente da viatura e, uma vez atropelado, não o íamos deixar ali para repasto dos leões. Lá tínhamos de lhe dar boleia e sermos nós a fazer o petisco.
No dia seguinte, lá íamos convidar alguns civis para o repasto. O Lima e o Campos eram sempre convidados, mas este último normalmente era mais exigente: só aceitava o convite se o fossemos buscar à sua casa, que ficava na praia do Sangano, a cerca de 20 quilómetros de distância, de Cabo Ledo, que tinham de ser percorridos por estrada de terra batida, designada em África por picada, e o fossemos lá pôr novamente no fim do petisco.
A caldeirada de gazela era magistralmente confeccionada pelo nosso cozinheiro da messe e bem condimentada com gindungo (piripiri muito picante, característico de África), de tal forma que a cada garfada o copo de vinho tinha que ir à boca para acalmar o efeito do picante. Estes petiscos (almoços) prolongavam-se quase sempre até à hora do jantar e repetiam-se, por regra, uma vez por semana.
Como a família Mota Veiga tinha muitos rebanhos de gado ovino e caprino naquela zona, sendo o nosso amigo Campos o Gerente da pecuária, lembrámo-nos que, uma vez por outra, para variar, até seria bom trocar a gazela por um cabrito. Mas o convite aos nossos amigos continuava a ser sempre para a caldeirada de gazela.
Nas vezes em que optávamos pelo cabrito, no dia anterior, quase ao fim do dia, quando já não era dia mas também ainda não era noite e a visão já era muito reduzida, eu e outro furriel pegavamos no jipe e íamos à procura de um rebanho. Estacionávamos junto ao rebanho e enquanto um de nós ia ter com os pastores, perguntando-lhes se os leões costumavam atacar os rebanhos, se comiam muitas cabeças de gado, enfim, como se costuma dizer, dando-lhes conversa da treta, para entreter, o outro que ficava no jipe fazia o trabalho. Escolhia o cabrito a abater, espetava-se-lhe a faca de mato no meio da cabeça e o pobre animal nem tinha tempo de mugir nem tugir. Era só carregar a peça no jipe e regressar à base. Os pastores não se apercebiam de nada.
No dia seguinte lá se fazia a festa e os nossos convidados nem se apercebiam que a gazela afinal era cabrito ou pelo menos fingiam que não se apercebiam.
Num desses petiscos em que a gazela era cabrito, após a refeição, passámos a noite a correr para a casa de banho, com um grande desarranjo intestinal.
Na manhã do dia seguinte, o Lima queixou-se-nos que lhe acontecera o mesmo e o Campos passou na parte da tarde pelo destacamento e disse-me:
Oh Santos quando quiser ir dar uma palmada nos cabritos, diga-me primeiro, para eu lhe dizer onde deve ir, porque aquele que foi buscar à duas noites atrás tinha sido vacinado naquele dia.
Enfim, o nosso amigo Campos já devia conhecer os efeitos secundários daquela vacina.
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