Já há algum tempo que não escrevo para o blog. Não é porque não me lembre quase todos os dias daqueles dois anos de Angola, mas, embora as recordações sejam muitas, o tempo vai passando, a minha memória já não é o que era e cada vez vai sendo mais difícil encadear algumas cenas passadas naqueles tempos.
Hoje veio-me à memória um velho amigo que nunca mais encontrei desde que regressei de Angola, em Maio de 1973, o sargento Singapura.
Já não me recordo do seu verdadeiro nome, mas era assim que era conhecido por toda a gente. Foi-me apresentado pelo meu amigo, sargento Piedade Pereira, que se encontrava na altura, tal como eu, em Cabo Ledo. Era uma pessoa muito afável, sempre pronto para a brincadeira, que todos estimavam.
Conhecemo-nos durante um jantar no Clube Terra Nova, em Luanda, e logo aí começou com as suas brincadeiras do costume. Sem me falar do assunto, quando a empregada se dirigiu à mesa, uma miúda de cerca de 20, por sinal muito gira, disse-lhe: Titi (nome fictício da miúda) o furriel Santos, que era eu, queria dizer-te que está apaixonado por ti, mas está com vergonha.
A miúda ficou um bocado corada, não respondeu e virou costas. Eu não liguei mais ao ssunto, mas parece que ela levou aquilo muito a sério.
Depois disso fui várias vezes jantar ao Clube Terra Nova, lá fui dizendo à Titi que o sargento Singapura estava na brincadeira, que faltavam 2 ou 3 meses para eu regressar a Portugal e que ela continuaria a sua vida em Angola. A partir de aí gerou-se uma amizade sincera, que me ajudou a atenuar dias difíceis em Angola.
Recordo ainda uma visita do sargento Singapura a Cabo Ledo. Depois do jantar, convidámo-lo para uma caçada. Como já referi, em post anterior, não era permitido caçar no parque da Kissama, mas havia sempre forma de ultrapassar a questão. A altas horas da noite, sem tiros, quem é que nos iria detectar?
E foi assim que depois do jantar, na companhia dos sargentos, Singapura e Piedade Pereira e de 3 ou 4 soldados lá fomos para a caçada. Não podíamos disparar tiros para não alertar os seguranças do parque, pelo que a forma de abatermos as peças de caça era persegui-las com o jipe pelo meio da picada ou do capim e atropelá-las.
Passados alguns minutos, depois de termos saído de Cabo Ledo, avistámos uma gazela no meio da picada e o condutor do jipe iniciou a perseguição, seguindo o bicho pelo capim adentro. Entretanto, o condutor passou uma tangente a uma palmeira, que apanhou a cara do sargento Singapura, causando-lhe um rasgão da boca até à orelha esquerda.
A caçada terminou ali, a gazela lá foi à sua vida, nós regressámos a Cabo Ledo, o sargento Singapura foi suturado com vários pontos e ficou com uma cicatriz para o resto da vida mas, apesar disso, sempre que nos ia visitar a Cabo Ledo manifestava a sua vontade de ir novamente a uma caçada.
Depois do meu regresso, nunca mais vi o Singapura, o Piedade Pereira e a Titi. Quantas saudades e como gostaria de os voltar a ver.
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