Sábado, 2 de Julho de 2011

Tudo começou assim

A guerra colonial ou do ultramar, como era chamada pelo Estado Novo, ou guerra de libertação e independência como era denominada pelos guerrilheiros, eclodiu em Angola, em 4 de Fevereiro de 1961, com três ataques quase em simultâneo, um à Casa da Reclusão, onde curiosamente vim a prestar serviço militar mais tarde, nos anos de 1972 e 1973, outro à prisão de S. Paulo e o terceiro a uma esquadra de polícia, em Luanda.

A esses ataques, de que resultaram vários mortos, seguiram-se os ataques sangrentos de 15 de Março de 1961, no norte de Angola, a fazendas e povoações, levados a cabo pela UPA. Aquelas ocorrências forçaram o Governo do Estado Novo, em Lisboa, a mobilizar para Angola os primeiros contingentes militares da Metrópole, com o objectivo de reforçar o dispositivo militar na colónia.

 

É neste contexto que surgiu a célebre frase de Oliveira Salazar: “Para Angola, rapidamente e em força”.

 

A partir daí ficou traçado o destino dos jovens que estavam a prestar serviço militar ou que iriam ser incorporados e até de alguns que já o tinham cumprido e voltaram a ser novamente mobilizados. Assim, a mobilização para a guerra colonial era quase uma certeza e eu não fugi à regra. Após a recruta e a especialidade, fui mobilizado para Angola, onde cumpri serviço militar durante 25 meses e 5 dias, desde 26 de Abril de 1971 até 30 de Maio de 1973.

 

A guerra começou em Angola, em 1961, como referi anteriormente, e estendeu-se, mais tarde, às províncias ultramarias, como então eram chamadas, da Guiné, em meados de 1962, e de Moçambique, no segundo semestre de 1964. A guerra na Guiné foi de todas a mais difícil e terá contribuído de forma decisiva para que os militares de Abril tenham decidido derrubar o regime fascista, o que se verificou em 25 de Abril de 1974.

Na minha opinião, a guerra do ultramar foi uma guerra inútil, onde morreram cerca de uma dezena de milhar de jovens e aproximadamente 30.000 ficaram inutilizados para o resto das suas vidas. Isto só do lado das nossas tropas, porque do lado do inimigo e das populações locais o número de mortes e feridos foi muito superior.

 

Foi uma guerra que afectou toda a sociedade, primeiro com o sofrimento da despedida dos jovens e, logo de seguida, com os primeiros mortos e feridos.

 

 

 

Ainda pensei em “dar o salto” para o estrangeiro, tendo tirado o passaporte com essa intenção, cerca de um mês e meio antes da minha incorporação. Contudo, à última hora, pensei melhor e desisti da ideia. É que desertar naquela altura representava nunca mais poder regressar a Portugal, enquanto o regime de então vigorasse e, embora o seu fim estivesse próximo, naquela altura não era possível prever a sua queda tão rápida. Era também a minha família que estava em jogo e esse factor foi preponderante na minha decisão. Resolvi, assim, participar naquela guerra, que não era minha. Não me orgulho disso, mas também não tenho vergonha. Se os outros iam porque não havia eu de ir também? Fui, não por patriotismo, cumpri apenas o meu dever de cidadão.

 

Foram dois anos a menos na minha vida, em que, durante o primeiro ano convivi diariamente com o perigo. Foram dias difíceis, passados no meio da mata, com muito sofrimento e muitas tristezas. No segundo ano, a situação melhorou, uma vez que fui colocado numa zona pacífica. Contabilizando os prós e os contras, não me arrependi de ter decidido participar naquela guerra, é que conhecer África foi um privilégio e quem apanhou o cacimbo de Angola ficou definitivamente apaixonado por aquele país.

 
publicado por Franquelino Santos às 12:50
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