Enquanto estive colocado em Cabo Ledo, o Comandante da Casa da Reclusão programava e obrigava a fazer alguns patrulhamentos no Parque Nacional da Quissama, zona que ocupava cerca de nove mil e seiscentos quilómetros quadrados.
Acções de "psico" compreendia perfeitamente o seu alcance, mas patrulhamentos numa zona em que não consta que alguma vez tivesse havido quaisquer problemas com a guerrilha, nunca percebi o porquê. Enfim, quem podia mandava
Provavelmente até haveria alguns guerrilheiros no parque da Quissama a passar uns dias de férias, mas o seu objectivo seria certamente descansar durante esse período sem dar nas vistas e o que menos quereriam era arranjar complicações com a tropa.
Naqueles patrulhamentos, eramos transportados em viaturas militares, largavam-nos poucos quilómetros depois do destacamento, percorríamos a pé um itínerário previamente definido, pernoitávamos na mata e no dia seguinte, ao fim da tarde, eramos recolhidos num local anteriormente combinado.
Nos patrulhamentos o principal problema era a sede. Durante esses dois dias, tinhamos de percorrer a pé entre 20 a 30 quilómetros e transportar a arma e as munições, a comida (ração de combate) e a água, entre outros apetrechos. Por isso, a quantidade desse precioso líquido nunca era muita e mormalmente, devido às elevadas temperaturas que se faziam sentir, começava a escassear no segundo dia, esgotando-se mesmo nalguma situações.
Embora não proliferassem, havia alguns rios no interior do parque, mas grande parte das suas margens eram pantanosas e chegar ao seu curso era tarefa praticamente impossível.
Naquelas zonas, quando a água acabava nos nossos cantis e a sede apertava, não havia outra solução que não fosse reenchê-los no pântano, nas poças das pegadas deixadas por animais de grande porte (normalmente dos elefantes ou das pacaças). Usávamos um lenço como filtro e desinfectavamos a água com comprimidos "halazone", que nos acompanhavam sempre. Contudo, aquele líquido mais parecia café, devido à sua cor escura, do que água, mas matava a sede.
O mesmo problema tinham os animais selvagens durante a época seca, de Maio a Agosto, quando as lagoas secavam e os rios ficavam a grandes distâncias. Era normal vermos nas praias esqueletos de animais de pequeno porte que procuravam saciar a sua sede nas águas do oceano e ali acabavam por morrer.
Eu assisti muma dessas praias a uma cena impressionante. Uma gazela, quase moribunda, veio a cambalear beber na nossa mão, água que lhe demos do cantil. Era a luta pela sobrevivência, em que a sede do animal venceu o medo, mas o seu destino, como o de tantos outros, estava traçado. Passados alguns dias, depois de morta e devorada pelos abutres, seria mais um esqueleto na praia.
Sede, a quanto obrigas.
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